17 setembro 2015

Parecer elaborado por Pugliese: A natureza Jurídica da OAB.


NATUREZA JURÍDICA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.

O saudoso professor Norberto Schwartz em Agosto de 2003 solicitou ao professor Roberto J. Pugliese parecer no sentido de esclarecer sobre a natureza jurídica da OAB, já que são diversos e mais variados os entendimentos.

Assim, agora é publicado para ampla divulgação o referido parcer:

“S. Francisco do Sul,  3 de Setembro de 2003.-

Questionado pelo professor Norberto Schwartz e outros a respeito da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, segue abaixo síntese do entendimento do signatário.

Da natureza jurídica da OAB

Os registros históricos revelam que  o Imperador D. Pedro II, em 7 de agosto de 1843, aprovou os estatutos do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros na presença de altas autoridades da Corte no Rio de Janeiro, cabendo ao Conselheiro Montezuma, primeiro presidente do Instituto, discursar já pregando a arregimentação da classe, por um grandioso objetivo, no dizer de Rui de Azevedo Sodré, (1) de num breve espaço de tempo, desvincular a instituição de qualquer liame com o Estado. Patente fica que a organização criada mantinha vínculos estreitos com o Estado Imperial. Registre-se que antes da aprovação do Instituto, a profissão era então regulada diretamente pelo Poder Público. (2)

Daquela data em diante, os advogados incorporados ao novel Instituto a quem cabia representar a classe, tiveram ao longo dos anos, inúmeras iniciativas no sentido de tornar a Corporação independente do Poder Público, a desvinculando por completo do Estado. Os historiadores anotam que Caetano Alberto e Perdigão Malheiros, assim também José de Alencar e Nabuco de Araújo, ainda no Império já lançavam projetos para instituir-se a Ordem, como verdadeira corporação independente, nos moldes da similar instituição de França. ( 1 )

Interessante que durante os períodos de estabilidade democrática no Império e na República, todas as iniciativas não tiveram o êxito para consolidação do intento pretendido. No governo provisório, entrementes, por articulação política célere, incluiu-se o artigo 17, no  Decreto n.19.408 que reorganizava a Corte de Apelação do Distrito Federal, criando-se assim, a Ordem dos Advogados do Brasil.

A criação, como se percebe se deu igualmente de forma institucional, de modo que, à época, não se desvinculou do Estado. Integrante do Estado, denota-se características jurídicas que lhe impõe as condições de entidade especial ou, como a maioria dos interpretes ditam, lhe conferem a natureza  autárquica.  A Ordem então trata-se de serviço público federal e tem suas contas fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União.

A despeito da legislação, não foram poucos os que se insurgiram a essa condição, de forma que, ajuntando questionamentos e posicionamentos dos mais amplos e fundamentados, já  antes da metade do século passado, não mais se reconhecia essa condição estatizada da corporação. 

Em 1963 a lei 4.215 veio a ser promulgada, cujo texto original fora encaminhado ao Congresso em 1956,  expressando seu artigo 139, que nenhuma disposição legal, referente as autarquias e entidades paraestatais, poderia ser aplicadas a OAB. A lei vigorou até bem recentemente, atribuindo o seu conteúdo, a missão de organizar a profissão dos advogados, impondo-lhe o dever de fiscalizar o exercício e punir seus inscritos, bem como o de cobrar-lhes obrigações pecuniárias pelo poder de policia e representação.

Deve ser reconhecido que os estatutos então promulgados levavam o intérprete a  divagações que permitiam considera-la autarquia ou pelo menos autarquia especial, posto que seu artigo primeiro, ditava tratar-se de “órgão “, em afronto os dizeres contidos no artigo 139. (2)

No dizer do Desembargador Amorim Lima,  a OAB não poderia ser enquadrada como entidade sindical, pessoa jurídica de direito público ou privado ou entidade autárquica ou paraestatal, estando alheia aos quadros da organização jurídica do país. ( 1) Mesmo assim, para as autoridades públicas, a Ordem deveria ser interpretada como autárquica, notadamente após a implantação do regime que decorreu do golpe de 1964.

Em 1967, decreto expedido pelo governo militar, vinculou a OAB ao Ministério do Trabalho. Sem pestanejar, de imediato, juristas de todos os quadrantes se rebelaram, levando ao Judiciário decidir, em plena ditadura, contra os militares que pretendiam vincular os advogados, cassando-lhes a independência. Decreto presidencial excluiu a OAB do Ministério, evitando o pior,  no dizer do inesquecível Laudo de Almeida Camargo. ( 1)

Não satisfeitos, a seguir, o governo militar pretendeu vincular  a Ordem  novamente no Ministério do Trabalho, com fundamento na Lei Orgânica das Profissões Liberais. Raimundo Faoro, brilhante causídico inesquecível foi quem lavrou parecer que derrubou tão malsinada interpretação. (1 ) Antes, já investira em projeto de lei no sentido de vincula-la no Ministério da Justiça, não encontrando as autoridades ditatoriais de então respaldo bastante para esse fim.

Percebe-se nesse histórico que a Ordem, sempre independente, teve por parte dos que temiam essa liberdade, interpretações para considera-la uma autarquia federal, louvando-se na ambigüidade legislativa referida. (2)

Hoje, na vigência dos estatutos regulados pela lei 8.906/94, não há mais porque discutir-se a natureza jurídica da Ordem. Não há razões para leva-la a qualquer vínculo estatal, atribuindo-lhe condição autárquica, mesmo que especial.

A visão moderna do direito, implica na salvaguarda do regime democrático pleno e conseqüentemente, da preservação das garantias fundamentais, motivando assim, que o advogado esteja suficientemente independente para defesa de direitos particulares e privados e coletivos, sociais e públicos. ( 3) Não pode pois o advogado permanecer preso ao Estado, pois sua liberdade estaria atrofiada para exercer o mister que se lhe atribui. E a OAB é que representa esses profissionais, igualmente tem que estar tão livre ou mais, para cumprir o múnus que se impõe a classe que congrega. (3)

A independência, como condição inerente a profissão, projeta-se sobre a classe de forma a exigir que a corporação que congrega os profissionais, igualmente se destaque pela independência e condições para exercer seu papel institucional e corporativo, de forma a não se coadunar com qualquer aproximação de vínculo estatal. ( 4)

“A defesa da classe dos advogados, dos direitos humanos, da justiça social e do Estado Democrático de Direito, encartada nas finalidades da OAB previstas no art. 44 do Estatuto, pressupõe o virtual conflito com o Poder Público”, leciona muito bem o professor Paulo Netto Lobo. (2)  “O serviço público que caracteria a Ordem é aquele que decorre do cumprimento de seus objetivos institucionais, elencados no inc. I do art. 44,... “( 4)

Decorre pois, que o artigo 44 dos estatutos, dispondo que a Ordem trata-se de serviço público, quer dizer que esse serviço é gênero do qual o serviço estatal é espécie. Serviço público não significa necessariamente, serviço estatal. (2) Anote-se que entre outras atribuições comedidas a OAB, a sindical lhe é peculiar, o que significa, que a independência é fundamental, nos dias atuais. ( 5 )

Enfim, valendo-me da breve história da corporação e da legislação contemporânea, e principalmente, apoiando-me nas lições de juristas de estirpe, entendo que a Ordem dos Advogados do Brasil, não se trata de autarquia, mesmo que especial, outrossim, de serviço público independente, classificado de forma sui generis, submetida ao direito público , quando no exercício do poder de polícia interna da profissão e dos profissionais  e em especial, quando exerce o múnus previsto nos estatutos, no sentido de defesa de direitos coletivos, abstratos e gerais e ao direito privado, quando cumpre as demais competências  que lhe foram cometidas.

O entendimento exarado, atualmente é acompanhado pelo próprio Conselho Federal da Ordem. (2) (4)

Este é, s. m. j. o meu entendimento e o parecer que submeto a apreciação de Vossas Excelencias.
Roberto J. Pugliese
Professor.

Obras consultadas:

(1) Rui de Azevedo Sodré
Etida Profissional e o Estatuto do Advogado
LTR

 (2) Paulo Netto Lobo
Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB
Brasília Editora

 

(3) Roberto J. Pugliese
A Constituição, a advocacia e o advogado
Editora Revistas dos Tribunais – Vol 713

 

(4) Gisela Gondim Ramos
Estatuto da Advocacia – Comentários Jurisprudência
OAB/ Sc - Editora

 (5) Washington Luiz da Trindade
 A importância do Advogado para o Direito, a Justiça e a Sociedade
( as funções sindicais da Ordem dos Advogados do Brasil )
Editora Forense

 
Ao professor Norberto Schwartz.
Associação Catarinense de Ensino.”

 

O Expresso Vida divulga o entendimento exposto, submetendo esse entendimento a melhor cultura e censura de seus sabidos leitores.

Roberto J. Pugliese
Cidadão cananeense
Presidente da OAB-To-Gurupi por 2 mandatos consecutivos.
 

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