01 novembro 2013

Visita ao Varadouro - ( memória nº 32 )

 
Memórias nº 32
Eleições Cananéia – estiva
Durante a campanha para vereador à Câmara Municipal de Cananéia foram incontáveis as situações inesquecíveis. Diárias as sensações inusitadas. Inesquecíveis momentos.
O primeiro impacto que se deparou foi durante a visita que fizeram a um vazio, perdido no meio da Mata Atlântica, quase no litoral do Paraná, onde dentro da  floresta espessa, Lourenço se reuniu com os poucos habitantes de lá, numa choça de pau e telhado de palha, sombreado pelas  copas das árvores, sob a liderança do  chefe comunitário.
Era sábado de sol, talvez Setembro de 1982 e com agendamento antecipado,  foi com seu inseparável amigo e piloto de sua pequena lancha Flamingo, de 13 pés e motor Yamaha 30’ se reunir com o povo da floresta.
Saíram do portinho existente nos fundos da casa onde Aroldo, o piloto, residia com a família. Vento favorável, ainda bem cedo, por volta das dez horas estava no Ariri tomando cerveja para refrescar e comendo um peixinho frito para forrar o estomago.
Antes pararam na sede da vila do Ararapira, na ilha das Peças, do outro lado do canal e foram conversar com alguns moradores que, mesmo pertencendo à Antonina, no Paraná, votavam no Estado de São Paulo. Àquela época a vila ainda era habitada. Mas pela erosão e instalação do Parque Nacional foi aos poucos sendo esvaziada, com as famílias mudando-se para outros lugares, até ficar totalmente deserta como se encontra atualmente.
 
Lourenço lembra bem que anos antes fora à Vila de Ararapira buscar  certidão de procuração lavrada  no cartório local e espantou-se ao ver que a tabeliã era a senhora que encontrara na praça, com uma lata de óleo na cabeça, cheia de água e que o documento, por falta de máquina de escrever, fora extraído de forma manuscrita.
Sem muita perda de tempo seguiram para o Varadouro. Um ponto perdido no pé da serra, junto à divisa dos Estados, onde Lourenço iria fazer a preleção às poucas famílias que residiam por lá.
 
Uns quinze ou vinte minutos navegando em direção ao sul , depois de saírem do Ariri estavam encalhando a lancha num pequeno portinho e iniciando o cansativo trajeto até o lugar marcado, distante alguns quilômetros, sobre estivas fixadas na lama, em subida suave, mas salientemente inclinada.
Lá era a escola rural, com uma única sala que servia também de  casa da professora e igreja católica. Era a melhor construção da floresta. Uma professorinha que passava quinze dias por lá, paga pelo município também era merendeira, e lecionava para crianças de primeiro, segundo e terceiro ano primário. Também era a secretária da escolinha. Um choque. Um grande choque.
Lourenço não entendia como em São Paulo, o seu querido e mais adiantado Estado da federação, poderia se sentir perdido, como se estivesse no interior da Amazônia... Ficou estarrecido e entendeu que sua eleição provavelmente haveria de ajudar um pouco, talvez bem pouco, mas ajudaria aquela gente, o país e sua terra. Um choque cultural que o abalou profundamente no sentido de querer vencer as eleições.
Não havia nada por lá. Haviam subido e feito aquele  trajeto por mais de meia hora e não viu se quer uma casa, uma família, uma plantação, mas sabia que ali era habitado. Uma subida em direção a Serra do Mar. Só mato. Só floresta. Reserva florestal intocável, com habitantes humildes, tradicionais, esquecidos.
 
Subiram em direção ao nada. Não entendia o que estava por vir. Expectativa e curiosidade até chegar ao nada e lá, conforme o líder do lugar afirmara, famílias foram chegando da floresta e se aproximando à sua palavra que mais do que outra coisa era a esperança.
Gente humilde. Pobre. Caiçaras filhos de caiçaras, netos de caiçaras, que para poderem plantar o que o pai plantava outrora, que os antepassados plantaram antes, o faziam escondido da policia florestal... Situação injusta imposta pelas autoridades, que decretaram a região parque florestal e impediram a subsistência de milhares de brasileiros humildes que nasceram por lá e queriam apenas trabalhar.
Áreas ocupadas por descendentes de primeiros colonizadores que chegaram naqueles confins do litoral sul paulista há mais de  duzentos anos e, foram aos poucos, sendo expulsos de suas posses. Não tinham título de propriedade. Não foram desapropriados. Não foram indenizados e sucumbiram. Poucos ficaram.
Lugar perdido na mata. Na sombra da floresta. Ninguém ali iria fazer campanha, porém ele foi. Não queriam muito. Pediam apenas saúde, justiça e paz.
Queriam que os ajudassem se defender do grande latifundiário da região, o proprietário da Colonizadora do Ariri, Alfredo Sens, que viera de Ponta Grossa munido de muita disposição de tirar os posseiros de seus domínios. Pedrão o capataz morava por lá e ameaçava a todos: Homens, mulheres, crianças...
E assim, na primeira visita que fez a um bairro distante da sede municipal, sem energia elétrica, sem água tratada, sem qualquer sabor de civilização, perdido nos confins do nada, Lourenço iniciou sua campanha à vereança de Cananéia.
Iniciava assim sua primeira incursão levando a mensagem de mudança. Trazendo a vontade de eleger-se e ajudar a eleger Franco Montoro, de quem fora aluno e seu assistente na PUC alguns anos antes; Darcy Passos e Flavio Bierrenbach para o Congresso Nacional e Rubens Lara, de quem se tornou amigo, para a Assembleia Legislativa.
Loucura. Situações inexplicáveis para os amigos e parentes que não conseguiam entendem-lo.  Criado na cidade e desde os primeiro passos tratado com todos os cuidados pela família urbana, foi normal se perguntar o que acontecera em estar perdido no meio da floresta natural, no interior da Mata Atlantica lutando por uma causa social e democrática que nada representava para sua vida, origem e história. Mas, valia a justiça social e estava lá para tentar minorar a tragédia do povo irmão, paulista, brasileiro, inocente e sem qualquer malicia que acreditava em sua fala.
E acompanhado pelo inseparável amigo  Aroldo Xavier, a partir daquele sábado ensolarado começou a correr o município, cuja sede tinha pouco mais de 3.000 habitantes, representando 50% do total do município.
Depois de deixar sua mensagem, retornou para o Ariri, onde uma caravana de políticos da situação estava plantada com Prefeito e todo estafe patrocinado por Maluf, ex governador, candidato à presidência da República, organizando almoço, jantar, baile, festa, pedindo votos para alguns e impondo pelo temor a outros... Inclusive o truculento Pedrão e seu patrão.
Enfim, assim começou a campanha política enveredando-se pelos bairros com o intuito de deixar a mensagem séria, de esperança e dignidade.  Candidato à Câmara dos Vereadores de Cananeia,  Lourenço iniciou sua empreitada em direção à vereança.
A noite, com o mar bravo, não saiu direto para casa. Ficou por lá, até que o tempo melhorou e junto com Aroldo, retornou navegando os 60 km de canais entre o distrito e a sede do município. Viagem tranqüila e inesquecível pela brisa, cores do mar à noite e pelas estrelas que pontilhavam a noite de luar.
Inesquecível viagem...
Roberto J. Pugliese
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc



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