06 dezembro 2011

A posse sobre o próprio corpo. Considerações diversas.

A posse sobre o próprio corpo. Considerações diversas.

Roberto J. Pugliese*

Atualmente não se confunde mais como outrora o ser humano, com os demais seres que integram e constituem a natureza. O homem é personalidade, que constitui ser indelevelmente distinta dos demais elementos integrantes do planeta, animados ou inanimados, considerados coisa e juridicamente submetidos ao Direito das Coisas. Daí decorre que o tratamento no que tange ao homem, sua integridade física e moral, seus elementos físicos constitutivos, de ordem biológica que no todo, promovem a vida humana são dispensados de modo distinto e forma especial que as coisas. Protege-se a vida.

Mas não somente a vida é tutelada, pois isoladamente, a vida humana não existe. Protegem-se todos os elementos indispensáveis à existência física do ser humano. Não se desassocia a vida integral dos seus elementos que a constituem, e por tudo já exposto, com expressas condições normativas na Magna Lei, a vida digna está prevista para ser protegida no todo de suas partes integrantes, notadamente como se observa dos princípios inseridos no próprio texto constitucional.

Fundada em direito natural reconhecido pela humanidade contemporânea, hoje a sociedade tem consciência que não basta a tutela da vida, outrossim, de meios para que a vida digna das pessoas se consolide de modo amplo e sem qualquer exclusão. Assim, todo ser parido de mulher, é considerado humano,por mais monstruoso que possa ser. E consequentemente, tutelado na plana interna por normas de ordem constitucional e na plana internacional, por tratados e declarações de estilo.

Diante das condições de racionalidade do ser humano, inerentes à própria natureza do seu ser peculiar e distinto, constituído de físico orgânico e espectro moral, para alguns, ou de ordem espiritual para outros, surge um direito natural a todos os seres humanos, desde a concepção, de terem o domínio e o poder a própria vida, a sobrevivência digna e, portanto, de manterem-se intacto e em perfeitas condições de funcionamento, o respectivo corpo, para que, possam, cada um, individualmente, cumprir a finalidade de suas particulares existências, ou seja, viverem como senhores da natureza da qual todo ser humano faz parte.

Daí, o repúdio à violência física e à morte e a consequência tutela jurídica ampla as diversas expressões da vida humana Daí, modernamente a pena de morte ser considerada violência à natureza e estar vedada pelo ordenamento jurídico.

Importante acentuar que a pessoa humana é por essência um valor em si e como tal não pode consistir numa entidade comensurável com outra utilidade. O corpo e seus elementos necessários à vida são protegidos. Seus órgãos, seus membros e todos os espectros que constituem a personalidade e a personificação individualizada de cada ser humano, como um todo são tutelados, pois se facultado fosse a permissibilidade de ser a pessoa desmembrada do seu todo, a vida humana provavelmente estaria rebaixada à condição de coisas ou num patamar distinto do qual atualmente se encontra.

E a vida dígna exige respeito amplo, pois se a morte não se permite, igualmente deve ser protegida a pessoa de atos que levam a morte ou podem diminuir a dignidade expressa pelo ser humano. Tortura, marcas de ferro quente, amputações de membros, banimento, galés, trabalhos forçados, violentam a dignidade mínima física ou moralmente. Daí, o debate sobre a alienação de partes do corpo por terceiros ou pela própria pessoa, seja a título oneroso ou a titulo gratuito.

Ninguém poderá estar obrigado a ceder parte do seu ser para terceiros. Sangue, esperma, óvulo, leite, são espectros pessoais enquanto integrantes do corpo humano. Até os cabelos, pele e outras partes que a ciência tem desenvolvido métodos para transplantes. O corpo vivo é bem de natureza personalistico. Inalienável por inteiro ou parcialmente. Vale o todo como tutela da vida humana.

Assim como não há direito justificável para matar, ou tirar a vida, independente do título jurídico igualmente, não existem possibilidades jurídicas que permitam violar o ser humano amputando-lhe ou estirpando-lhe pedaços, e consequentemente inibindo o exercício vital pleno. A solução, no entanto escapa a tutela deferida a posse. O direito nesta parte, tutela a vida humana e não uma coisa, por mais preciosa que for.

Uma vez desmembrados por quaisquer motivos, as partes do corpo, se estiverem vivas, tornam-se coisas de ordem especial. Semem, sangue, órgãos, membros destacados por acidente involuntário ou dolosos, ou então para servirem a estudos ou outros corpos, enquanto destacados e vivos, são transitoriamente coisas especiais. Mortas, essas mesmas partes do corpo humano, classificam-se como coisas de direito comum, aplicando-se as regras comuns à posse de coisas móveis. Sejam membros ou órgãos.

* Texto extraído do Livro Direito das Coisas, de minha lavra, 2005. Leud, S. Paulo

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